O Mundial de Clubes e o Brasil no Espelho, por Saulo Carvalho
O Mundial de Clubes e o Brasil no Espelho, por Saulo Carvalho
O Mundial de Clubes e o Brasil no Espelho, por Saulo Carvalho
O Mundial de Clubes da FIFA surpreende. São quatro jogos por dia, muitos com times pouco conhecidos, e mesmo assim o interesse é alto. As torcidas acompanham, comentam, torcem. O futebol, mais uma vez, mostra que vai além do campo. Ele reflete o modo como um país se vê, como se compara e como deseja ser visto.
Para o Brasil, essa imagem tem história. Desde o trauma de 1950, ficou no imaginário nacional a sensação de que somos sempre os que falham na hora decisiva. Nelson Rodrigues chamou isso de complexo de vira-lata. Décadas depois, esse sentimento ainda aparece, mesmo que de forma mais discreta. Quando um time europeu enfrenta um brasileiro, muitos já esperam o pior.
Mas o cenário começa a mudar. Clubes como Palmeiras, Flamengo, Fluminense e Botafogo têm se mostrado competitivos. O Flamengo, por exemplo, venceu o Chelsea por três a um. Não é só o placar que importa, mas a maneira como se joga. Há confiança, organização, talento. Isso muda a narrativa.
O futebol é parte da alma brasileira. Como mostra o livro Veneno Remédio, de José Miguel Wisnik, o jogo mistura arte, emoção, improviso, dor e glória. É um reflexo da cultura, com todos os seus contrastes. Serve como escape, mas também como afirmação. Ao mesmo tempo que distrai, o futebol revela. É espaço de criação, de pertencimento e, muitas vezes, de superação.
Quando um clube do país vence fora, algo curioso acontece. A rivalidade entre torcedores desaparece por um momento. Todos torcem pelo representante brasileiro. Esse sentimento de unidade, ainda que breve, mostra que o futebol toca algo mais profundo. Um desejo de sermos reconhecidos. De estarmos à altura.
Esse orgulho não tem relação com exageros. Não se trata de achar que somos melhores, mas de parar de duvidar de nós mesmos. Valorizar o que é nosso deveria ser natural, mas muitas vezes é visto com desconfiança. Talvez por medo de parecer ingênuo, ou por cansaço diante dos problemas do país. Mas o futebol mostra que ainda podemos enxergar valor naquilo que fazemos bem.
A tentativa da FIFA de tornar o Mundial um torneio maior não é apenas esportiva. É também política. É uma resposta ao domínio europeu e um passo em direção a um futebol mais globalizado. Mas para nós, brasileiros, o impacto pode ser outro. Pode ser o de lembrar que temos história, técnica, paixão e identidade.
Durante muito tempo, aprendemos a nos diminuir. A pensar que tudo que vem de fora é melhor. Mas o futebol, como poucas coisas, ainda consegue nos fazer acreditar. Mostrar que pertencemos. E que, apesar dos tropeços, temos motivos reais para manter a cabeça erguida.
No fim das contas, o Mundial de Clubes é um espelho. E o que ele reflete depende da coragem que temos de olhar com honestidade para nós mesmos. Não para esconder as falhas, mas para lembrar que também há beleza, talento e valor onde às vezes só enxergamos desconfiança.