Consolo Na Praia
- Carlos Drummond de Andrade
LIVRO [A ROSA DO POVO, 1945]
Consolo Na Praia
- Carlos Drummond de Andrade
LIVRO [A ROSA DO POVO, 1945]
Consolo Na Praia - Carlos Drummond de Andrade
LIVRO [A ROSA DO POVO, 1945]
Vamos, não chores. . .
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.
O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.
Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.
Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?
A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.
Tudo somado, devias
precipitar-te — de vez — nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.
Análise Detalha do poema [Consolo na Praia] de Carlos Drummond de Andrade
Por Saulo Carvalho
“Consolo na Praia”, de Carlos Drummond de Andrade, é um poema que se articula como murmúrio íntimo entre desespero e ternura, uma espécie de acalanto trágico onde a lucidez não abdica do cuidado. A estrutura anafórica e a cadência suave sustentam um inventário de perdas, fracassos e ausências que não cedem lugar ao lamento absoluto. Ao contrário, o poema recusa o desespero como fim. Em vez de consolar com promessas, Drummond oferece uma forma bruta e serena de aceitar a precariedade da vida sem negar sua continuidade.
O texto é construído como uma fala direta, quase coloquial, que enumera o que se perdeu: a infância, a juventude, os amores, os amigos, as oportunidades. Cada estrofe parece cavar um pouco mais o vazio, mas nunca para se entregar a ele. A cada perda contrapõe-se uma permanência mínima, concreta, por vezes ridícula em sua modéstia, mas profundamente humana. Se o amor passou, o coração continua. Se a casa não veio, resta um cão. Se as palavras doeram, ainda há o humor. É um consolo sem adornos, que não nega a dor, mas não a absolutiza.
O eu poético propõe um olhar distanciado, quase irônico, sobre o próprio sofrimento. A tragédia pessoal é diluída na escala das pequenas coisas que ainda resistem. Essa economia de consolo revela uma ética do cuidado que dispensa grandes gestos. A injustiça permanece, a revolta foi tímida, mas o verso afirma: virão outros. Há uma confiança tênue no tempo, na continuidade da vida, nos que virão depois. Não se trata de redenção, mas de aceitar que nem tudo termina na dor.
O último movimento do poema é ambíguo e potente. A sugestão de precipitar-se nas águas é interrompida por uma imagem de acolhimento. O corpo nu na areia e no vento não é o da morte, mas o da exaustão. O verbo final, “dorme”, substitui o suicídio pelo descanso. A praia não é cenário de tragédia, mas de suspensão. O poema fecha com um gesto materno, afetivo, que transforma o desespero em sono e silencia o impulso autodestrutivo com uma palavra simples.
“Consolo na Praia” é, ao mesmo tempo, um inventário de perdas e um exercício de persistência. Drummond oferece uma espécie de ética mínima para tempos de desalento. Dormir, aqui, não é desistir, mas suspender o abismo por um instante. O poema não promete cura, apenas abrigo. E, às vezes, isso basta.