(Nelson Rodrigues – A Vida Como Ela É).
Ela o amava com violência, com desespero, com raiva.
Amava-o como se ama um vício, um câncer, um abismo.
E quanto mais a desprezava, mais ela o adorava.
Era humilhada, traída, escorraçada.
E cada humilhação, cada traição, cada escárnio era como uma corda a mais que a prendia a ele.
As amigas diziam:
— Você precisa reagir.
— Isso não é amor, é doença.
Ela sorria, triste:
— Eu sei. É doença, sim. Mas eu prefiro morrer disso.
O sujeito era um canalha.
Clássico.
Bonito, charmoso, vagabundo.
Tinha um apartamento emprestado onde levava as outras.
Ela sabia. Sabia de tudo.
E fingia não saber.
Ou melhor: sabia e sofria — em silêncio, em segredo, com aquela dignidade dos que sangram por dentro.
Um dia, ele sumiu.
Sem bilhete, sem aviso, sem adeus.
Ela definhou.
Murchou.
Virou sombra.
Foi parar num hospital.
Não comia, não falava, não chorava.
Era um vulto com olhos.
Três meses depois, ele apareceu.
Cínico, fresco, bronzeado.
Ela olhou pra ele.
E sorriu.
Sorriso de santa ou de louca.
Ou das duas.
E disse:
— Eu sabia que você voltaria.
E voltou mesmo.
E ficou.
Por três dias.
Na manhã do quarto, ela o matou.
Com uma faca de cozinha.
Enquanto ele dormia.
No tribunal, ela disse:
— Matei por amor.
E o juiz respondeu:
— A senhora matou por ódio.
Ela então sorriu novamente.
E disse, como quem entrega o segredo final da existência:
— O amor é o ódio que enlouqueceu.