O Busto Modelado de Sigmund Freud, por Saulo Carvalho
O Busto Modelado de Sigmund Freud, por Saulo Carvalho
O Busto Modelado de Sigmund Freud, por Saulo Carvalho
Freud não tinha paciência para retratos e para outras frugalidades. Achava perda de tempo ficar parado, imóvel, esperando que alguém captasse algo que, no fundo, lhe escapava. Mesmo assim, seus discípulos queriam vê-lo fixado no tempo como se isso bastasse para torná-lo eterno. Em 1931, com seus 75 anos se aproximando, Paul Federn, médico, analista e amigo próximo, conseguiu convencê-lo a receber o jovem escultor Oscar Nemon, um judeu croata de apenas 25 anos.
O encontro começou torto. Nemon viajou de Bruxelas até a casa de verão de Freud nos arredores de Viena, atendendo a um telegrama enviado por Federn. Freud o dispensou na chegada, seco e reticente. Só depois, com alguma resistência, permitiu que o rapaz fizesse esboços rápidos. Mas o lápis de Nemon quebrou antes mesmo de terminar a barba de Freud. No dia seguinte, ele retornou com um busto modelado em argila. O táxi que o levava fez uma curva brusca ao entrar na propriedade e a escultura caiu, batendo em cheio no nariz do velho Freud.
O desastre, no entanto, virou início de uma amizade improvável. Freud, que tanto desconfiava de ser representado, escreveu a Max Eitingon, um de seus mais íntimos: “O busto, que o artista magro e de cavanhaque criou a partir do barro como o bom Deus, é muito bom e surpreendentemente cheio de vida. Uma impressão incrivelmente real de mim.” Vida, barro, caos e acaso. Coisas que Freud, no fundo, sempre compreendeu bem.