Charles Bukowski: uma história REAL,
Por Saulo Carvalho
Charles Bukowski: uma história REAL,
Por Saulo Carvalho
Charles Bukowski: uma história REAL,
Por Saulo Carvalho
Charles Bukowski nasceu para apanhar. Apanhou do pai. Apanhou da vida. Apanhou de um mundo inerte que nunca lhe ofereceu abrigo.
Nasceu em 1920, na Alemanha arruinada do pós-guerra. Veio ainda menino para os Estados Unidos. Em vez de refúgio, encontrou mais frio. O pai, um ex-soldado frustrado, fez da casa um campo de punição. Bukowski cresceu entre gritos, cintos e silêncios. Nada de afeto. Nada de ternura. Só o medo.
Aos treze anos, seu rosto se cobriu de feridas. Acne cística. Inflamada. Dolorosa. Tornou-se um pária. Ridicularizado na escola. Esquecido por todos. O mundo não o quis. E ele também não quis o mundo.
Encontrou no álcool um abrigo áspero, mas constante. E na máquina de escrever, um altar silencioso onde podia despejar tudo o que o mundo recusava. Bukowski não buscava aplauso. Escrevia para resistir. Sua literatura exala o cheiro das madrugadas mal dormidas, dos corpos sem afeto, dos dias gastos em bares úmidos. Escrevia como quem cospe. Como quem sangra sem esperar cura.
Mas por trás desse cansaço bruto, havia um menino. Um menino que só queria ser acordado. Ser esperado. Ter um canto onde pudesse pousar.
É desse silêncio que nasce a pergunta mais ferida da sua obra:
“E quando não existe ninguém para te acordar de manhã,
e quando não existe ninguém à tua espera quando você volta à noite para casa,
e quando você pode fazer absolutamente tudo que quiser,
qual é o nome disso: liberdade ou solidão?”
Essa pergunta não busca resposta. Busca espelho. Ela nos lança de volta a nós mesmos. E não conforta. Quando ninguém te acorda, o dia é teu. Mas é um dia sem forma. Quando ninguém te espera, o tempo se alonga. Mas não tem rosto. Quando tudo é possível, nada importa. A liberdade, assim, escorre pelos dedos. Sem corpo, sem destino.
O homem moderno quis libertar-se. E libertou-se. Mas, ao romper os laços, também se perdeu. Desancorado. Solto. Vazio.
Merleau-Ponty, escreveu: não estamos no mundo como coisas. Estamos com o mundo. Misturados a ele. Ligados à sua carne. A liberdade real não é ausência. É presença. Presença de um outro. De um olhar que nos espera. De um gesto que nos chama de volta.
A solidão, ao contrário, é esse silêncio gelado onde nem a ausência tem nome. Porque ninguém se foi. Ninguém sequer existiu.
Camus entendeu esse paradoxo. Disse que a liberdade é nada se não inclui a possibilidade de ser infeliz. E foi além. Mostrou que o absurdo começa quando o homem pergunta pelo sentido. E o mundo responde com indiferença.
O homem livre, sem ninguém a quem se dar, não vive. Apenas paira. Como o balão da infância. Que sobe, sobe. E desaparece. Sem testemunha. Sem pouso.
Simone Weil escreveu que a atenção, quando dirigida com amor, é a forma mais rara de generosidade. E o que é o lar senão isso? Um lugar onde alguém nos vê. Mesmo em silêncio. Onde somos esperados, mesmo sem sermos chamados. A liberdade sem esse outro vira deserto. Vasta demais. Vazia demais.
Bukowski não dá resposta. Ele fere. Ele impõe a pergunta. Como quem finca uma estaca no peito do nosso tempo. E nós, que herdamos esse espinho, ficamos diante da escolha: viver soltos como folhas ao vento ou enraizados em alguma presença? Ser donos de todas as horas ou esperar por um olhar que nos devolva o tempo? Chamar isso de liberdade ou reconhecer que talvez seja só mais uma forma da solidão? Porque, às vezes, a maior prisão é poder tudo. E a mais secreta liberdade é ter por quem voltar.