“A Queda de Ícaro”, atribuída à oficina de Pieter Bruegel, o Velho
“A Queda de Ícaro”, atribuída à oficina de Pieter Bruegel, o Velho
“A Queda de Ícaro”, atribuída à Pieter Bruegel, o Velho
A obra conhecida como “Paisagem com a Queda de Ícaro”, atribuída à oficina de Pieter Bruegel, o Velho, foi realizada por volta de 1555 a 1560 e encontra-se hoje no Museu Oldmasters, que integra os Museus Reais de Belas-Artes da Bélgica, em Bruxelas. Embora exames técnicos realizados em 1996 tenham sugerido que o painel seja uma cópia feita por um autor desconhecido, a composição e o conceito são inequivocamente de Bruegel, refletindo sua linguagem visual e sua visão de mundo.
A pintura apresenta uma paisagem ampla, com colinas suaves, o mar ao fundo e o céu dourado de fim de tarde. No primeiro plano, um lavrador conduz calmamente seu arado, acompanhado por um cavalo robusto. À direita, um pastor observa suas ovelhas, e um pescador, à beira do mar, lança sua linha. Tudo parece seguir seu ritmo natural, até que, discretamente, no canto inferior direito, veem-se apenas as pernas de Ícaro afundando no mar — a única pista visual do famoso mito da antiguidade. Não há comoção. Ninguém parece notar. A tragédia do herói grego é tratada com uma ironia quase cruel: passa despercebida diante da normalidade da vida cotidiana.
Ao reinterpretar o mito contado por Ovídio nas Metamorfoses, Bruegel rompe com a tradição renascentista que exalta a figura heroica. Em vez de glorificar Ícaro, o artista flamengo o reduz a um detalhe minúsculo, ignorado por todos, reforçando a ideia de que o mundo continua seu curso, mesmo diante das mais grandiosas quedas humanas. Diz um provérbio flamengo: “o arado não para porque alguém morre”. Essa máxima parece ser o verdadeiro centro moral da composição. Bruegel retira o drama de cena e, com isso, revela uma crítica profunda sobre a indiferença humana e a banalidade do heroísmo.
Essa leitura foi retomada e amplificada por artistas e escritores modernos. No século XX, o poeta inglês W. H. Auden escreveu o célebre poema “Musée des Beaux Arts” (1938), inspirado justamente nesta pintura. Nele, Auden observa como o sofrimento individual é, muitas vezes, irrelevante para o mundo em movimento: o lavrador talvez até tenha ouvido o baque, mas não se importou. William Carlos Williams e outros poetas também se debruçaram sobre o quadro, reforçando sua potência simbólica como uma metáfora da solidão existencial.
Com essa obra, Bruegel inaugura uma nova maneira de narrar visualmente: o mito cede espaço à realidade; o sublime é engolido pela rotina. “Paisagem com a Queda de Ícaro” é, assim, uma das primeiras obras da arte ocidental a confrontar a tradição clássica com a vida comum. Ao fazê-lo, Bruegel não apenas ironiza a queda de Ícaro, mas enaltece o valor silencioso da permanência, da terra e do trabalho.