Adélia Prado
"O poeta cerebral tomou café sem açúcar
e foi pro gabinete concentrar-se.
Seu lápis é um bisturi
que ele afia na pedra,
na pedra calcinada das palavras,
imagem que elegeu porque ama a dificuldade,
o efeito respeitoso que produz
seu trato com o dicionário.
Faz três horas que já estuma as musas.
O dia arde. Seu prepúcio coça [...]"
Sobre [A formalística...] Os versos citados pertencem a um poema que critica um tipo de poeta desconectado da realidade. Esse poeta valoriza escolas literárias, movimentos e todas as normas formais, adotando um estilo mais racional e cerebral. A linguagem que ele usa carrega uma provocação sutil, quase irônica, e mostra já nos primeiros versos o que Adélia Prado rejeita. Adélia Prado constrói a sua poesia em direção oposta a esse modelo. Ela privilegia a simplicidade e a experiência do cotidiano, encontrando beleza no trivial do dia a dia. A sua voz se faz mais viva quando aponta pequenos gestos, cenas comuns e a linguagem informal que todo mundo entende. Esse poema funciona como um meta‑poema, ou seja, ele reflete sobre a própria condição de escrever. Em outras obras, Adélia investiga o papel da linguagem, mostrando como as palavras podem revelar muito mais que meras ideias. A investigação dela vai fundo, buscando sentido no uso das palavras e naquilo que elas carregam de humano.