Memória
Carlos Drummond de Andrade [in A Rosa do Povo, 1945].
Carlos Drummond de Andrade [in A Rosa do Povo, 1945].
Carlos Drummond de Andrade [in A Rosa do Povo, 1945].
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.
As coisas findas ficam e ficarão - Sobre o poema "Memória"
Drummond sabia dizer o que nos escapa quando tentamos explicar o que sentimos. No poema Memória, ele fala do amor ao que já se perdeu, da confusão que isso causa no coração e da estranha permanência daquilo que terminou. Não há drama. Há constatação. E é isso que torna o poema tão verdadeiro.
Quem já amou algo que se foi entende o que ele quis dizer. O mundo espera que nos desapeguemos, que deixemos para trás, que sigamos em frente como se o passado não pesasse. Mas o que passa nem sempre se apaga. Muitas vezes, é o que mais fica. E fica sem fazer barulho. Fica nos gestos, nos silêncios, nos intervalos da memória.
O poema mostra que há uma diferença entre o que é tangível e o que é sentido. As coisas que podemos tocar, com o tempo, perdem importância. Mas aquilo que nos tocou de verdade, mesmo tendo acabado, permanece. O que finda volta em forma de lembrança, de saudade, de ausência presente.
Essa é a força dos versos finais. As coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão. O que é bonito passa. O que dói, o que marca, o que nos transforma, fica. Não porque queremos, mas porque somos feitos disso. Somos feitos de restos, de ecos, de imagens que já não existem fora de nós.
Drummond não escreve para consolar. Escreve para dizer o que é. E ao fazê-lo, consola. Porque quando a palavra acerta, ela nos dá forma. Ela diz o que gostaríamos de ter dito, mas calamos. Por isso seus poemas tocam tanto. Porque nos emprestam voz. E ao dizermos com ele, sentimos que, por um instante, estamos menos sós.